Roberto Alban Galeria

Artistas Artista

Alvaro Seixas

Um estranho olhar Um estar no olhar

Marcus de Lontra Costa

Para a arte moderna a imagem da pintura é o instrumento da Verdade. Para a arte contemporânea a verdade não interessa – a imagem da pintura é o fantasma de sua própria realidade, espaço ambíguo onde o real e o virtual se encontram e se estranham.

É exatamente esse estranho espaço, no where, essa não concretização de seu espaço físico de ação (e de representação...) que assegura à arte contemporânea a sua razão de ser nesse mundo volúvel e indefinido de formas e volumes, de mitos e realidades, abstrações e concretudes, sólidos, líquidos e gasosos de uma mesma matéria, de um corpo intangível. E a pintura sobrevive a essa realidade tão contrária à sua essência, graças a essa sua incrível capacidade de fingir, de representar, de elaborar discursos que recusem o seu papel redentor de agente transformador do mundo por meio de um mergulho nas suas próprias entranhas para se afirmar como elemento poético do mundo projetado pelas imagens dos seus fantasmas.

“O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente” (1). Assim como Fernando Pessoa, o artista contemporâneo sublima o horror pelo humor e elabora um discurso pautado pela ironia, pelas antíteses conceituais e pela recusa frontal a um discurso ético que hoje cede lugar ao pragmatismo dos tempos atuais.

Aquele discurso de mundo idealizado pelo modernismo foi estilhaçado pela realidade tecnológica e por suas inusitadas formas de contato e de comunicação. O artista, hoje, opera como amálgama dessa realidade fragmentada, resíduos de matérias opacas, cacos de vidro, pinturas e fotografias. Nesse grande “lixão” tudo se encontra, tudo se mistura: por isso para o artista contemporâneo é indiferente trabalhar com imagens construídas numa tela, impressas num papel fotográfico ou projetadas num espelho. Todas elas estão por aí, e cansadas de serem sonâmbulas no museu, vagam pelas ruas da cidade, pelos quatro cantos do mundo, pelas lembranças, memórias, passados e presentes que se encontram nessa estranha equação de um novo e admirável mundo sem futuro.

Os trabalhos do jovem artista Alvaro Seixas fazem aflorar algumas dessas questões. Pinturas, desenhos, fotografias, essencialidades do plano, trazem um flagrante comprometimento com a história recente da arte. Sua produção estabelece de imediato uma associação com as vanguardas tradicionais modernistas, dialogando com abstração informal e com a síntese construtiva. A elas o artista acrescenta um imediatismo gráfico oriundo da pop arte e é a partir dessa seleção que Alvaro compõe as bases de seu repertório formal. Se os instrumentos de ação artística são, essencialmente, oriundos da história recente, a ironia e uma espécie de “mal estar” que embasam os trabalhos são característicos do pensamento contemporâneo. Os elementos formais não se estruturam como agentes da Verdade modernista; ao contrário elas são objetos de uma estranheza, sem definição nítida ou superando seus contornos pelos limites rígidos do suporte. Essa tensão entre o elemento formal e o local da ação artística provoca uma inteligente e curiosa equação visual que o artista sabe explorar.

Todo trabalho de um jovem artista necessariamente traz o seu presente, o fato real e visível, a “Obra” e traz, também, inevitavelmente, a projeção do seu futuro, do seu devenir, de sua projeção no tempo futuro. Alvaro Seixas encontra-se no início do caminho, começo de uma trajetória. Há nele, a inquietação desejada nos verdadeiros artistas. Devemos, ainda acreditar, que em meio ao burburinho do mundo em que vivemos a arte possa ser ainda um instrumento poderoso de transformação do real, valorizando o que o ser humano tem de essência e valor: a capacidade de criar, como faz o jovem artista Alvaro Seixas, uma linguagem baseada na inteligência e na sensibilidade da experimentação do mundo.

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