Roberto Alban Galeria

Artistas Artista

Felipe Góes

Dissolução

Ted G. Decker

 Certa vez, Felipe Góes contou que quatro vacas se materializaram em uma de suas telas, o que sugeria um pasto no lugar da grande mancha verde que já estava pintada. Uma delas sumiu logo, a segunda demorou mais, a terceira e a quarta se foram em seus próprios tempos. Nenhuma vaca restara quando o artista deu a obra por terminada; tampouco o pasto permanecera o mesmo – podia ser um brejo, um lago, um acúmulo de tinta. Não se tinha certeza de mais nada. Exceto de que havia ali um complexo registro de intenções.

Porque o pensamento do artista se manifesta na tela, faz-se e se desfaz a todo instante entre as pinceladas. Não parte de um projeto já estruturado, não tem uma ideia pré-concebida que deseja traduzir em pintura. Tudo se processa no gesto poético, no ato criador da prática artística. Linhas de força, manchas de expressão, camadas de sentimentos: anseios, vontades, rancores, arrependimentos, ilusões, desapontamentos, alegrias, ambiguidades... O assunto se transforma, ganha corpo e se dissolve diante dos olhos para reaparecer adiante, não exatamente igual nem completamente diverso, implicado na matéria pictórica – ou desaparece sem voltar jamais. Assim se realiza o processo criativo de Felipe Góes.

Quando sabemos disso, fica evidente que esta forma apresentada pela pintura é, dos embates vividos, apenas uma etapa que o artista decidiu preservar. Tal suposto inacabamento, por sua vez, inspira a vontade criativa de quem entra em contato com a obra e passa, a partir dela, a criar suas próprias imagens, a inventar suas próprias histórias, a dar continuidade àquele pensamento em constante devir.

 

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