Geraldo de Barros - A Renovação e a Constância
Paulo Herkenhoff
Geraldo de Barros es na raiz da renovação da arte brasil eira do pós-guerra. E um homem de sete instrumentos: pintor, fotógrafo, artista gráfico e designer.
Sua inserção na história da arte contemporânea no Brasil será feita de modo consistente e em permanente busca de ruptura, como libertação de quaisquer cânones e conquistas.
Os anos 50 no Brasil talvez tenham testemunhado o momento mais sólido da cultura do pois. Um clima econômico favorável estabelece a ideologia do desenvolvimentismo do país, sobretudo no plano econômico e cultural, com poucos avanços sociais e algumas conquistas políticas. A construção de Brasília e outros projetos em diversas cidades representam a maturidade da geração de arquitetos modernistas de Niemeyer, Lúcio Costa, Reidy e outros. A música, no final da década, encontra na bossa nova uma síntese de valor universal. Na literatura, autores como Guimarães Rosa, Clarice Lispector e João Cabral de Mello Neto, além da produção da poesia concreta, produzem uma obra que, na sua importância internacional, apresentam os muitos brasis. Sem esquecermos o papel de Murilo Mendes, desde a década de 30, a crítica de arte, atinge nos anos 50 com Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Waldemar Cordeiro, Décio Pignatari e irmãos Campos um nível teórico de reflexo nunca experimentado no pais, que só será reencontrado em meados da década de 70. São produzidos os primeiros filmes do Cinema Novo, revelando-se de uma geração de diretores, que se afirmará nos anos 60. A fotografia, ao lado da expansão do fotojornalismo, alcança um nível de construção de linguagem na obra de Geraldo de Barros e José Oiticica Filho. Na fotografia deve-se destacar a produção geral do Foto-cine Clube Bandeirantes, com uma dezena de importantes nomes (Manarini , Yoshida, Girõ , Salvatore, Farkas, Lorca, Tavares, Yalente, Atschul, Gasparian). Os novos museus, fundados em fins da década de 40, florescem em São Paulo e no Rio de Janclro. A Bienal de São cria um canal de intercãmbio internacional, que marcará profundamente a produção brasileira, e colocará o país no mapa mundi das artes.
Nas artes plásticas, rapidamente se abandona uma discussão sobre abstração versus figuração. Num primeiro momento o choque será entre informais e construtivos, para, num nível de aprofundamento teórico, fixar-se no final da década, na cisão entre os concretistas de São Paulo (entre os quais figurava Geraldo de Barros) e os neoconcretos do Rio de Janeiro.
Tratava-se de um embate cultural vinculado, ao desenvolvimento da arte concreta. Geraldo de Barros será um dos artistas que introduzirá o conflito inicial com o figurativismo e estará entre os que alçam os movimentos de arte concreta ao plano da teoria. É o próprio artista que diz: "Naquele momento inicial acreditávamos numa arte que fosse fundada em certos princípios da Gestalt, do Construtivismo e da Matemática, na tradição apontada por Vantongerloo, Mondrian, Malevich, Van Doesburg e Max Bill e cuja produção resultasse "objetiva" e passível de reprodução industrial. Concebíamos o trabalho como linguagem e não simplesmente como representação da realidade exterior a ela”. Esse texto sintetiza as referências e conclusões que se desenvolveriam desde os fins da década de 40, ganhando consistência no manifesto do grupo Ruptura em São Paulo, em 1952 e transformando-se em projeto mais amplo e profundo em 1956, com abrangência nacional ao reunir artistas do Rio e São Paulo, com o concretismo. No caso de Geraldo de Barros a fotografia será a experiência em que se introduz no raciocínio construtivo, antecipando sua pintura concretista.
As Fotoformas, a grande obra fotográfica inicial de Geraldo de Barros (1949 a 1950) significam sua busca de formas abstratas, que o artista afirma ter sido resultante de seu interesse por Klee. Nesse sentido, pode-se anotar que, permanentemente, houve uma marca suíça sobre a obra construtiva de Geraldo de Barros com Klee e Max Bill.
As Fotoformas, na sua execução representam um dos momentos mais importantes da dessacralização da fotografia no Brasil, posto que a aura da pintura única e original transmutou-se em aura da imagem fotográfica. Geraldo de Barros impôs cortes, superposição de negativos, intervenção nas chapas, recortes físicos reais das imagens e montagem sobre uma base de Eucatex, "como esculturas", diz o fotógrafo. O fato e que, em todos esses procedimentos a busca da imagem abstrata, via fotografia, significou rever o próprio estatuto da fotografia. Agora ela é um corpo (e não superfície e um espaço representado, daí Waldemar Cordeiro vê-la como “desnaturalização") . A fotografia será uma realidade auto-referenciada e autônoma. O professor P.M . Bardi analisou sua obra em 1950: "Geraldo fotografa de má vontade o real, diria que não o compreende, e, sem contorná-lo , procura nele descobrir purezas úteis a suas mediações: linhas depuradas a meio de revelações e luzes reduzidas a esquemas das quais é impossível reconstruir as origens".
Outro papel da obra de Geraldo de Barros foi estimular o surgimento dos primeiros textos críticos no Brasil com uma visão contemporânea da fotografia, para além das imagens representadas, através dos escritos de P.M. Bardi e Waldemar Cordeiro. O único precedente seria o prefácio “A Pintura em Pânico" (1943) de Murilo Mendes.
Geraldo de Barros tomará parte em 1952 do manifesto do grupo Ruptura, a primeira tomada de posição coletiva coesa de um grupo de artistas, com claro projeto estético e uma obra coerente em qualidade e consistente com suas premissas teóricas. Batiam-se contra, porque consideravam como "velho" , "todas as variedades e hibridações do naturalismo" e " o não figurativismo hedonista".
As linguagens construtivas na América Latina, florescentes desde a década de 1940 até os anos 60, na Argentina, Uruguai, Brasil, Colômbia e Venezuela estão em relação com os planos de uma cultura organizada nos sonhos de modernização e desenvolvimento.
O grupo Ruptura envolveria em São Paulo para o movimento do Concretismo, com busca do rigor, levanta um universo de questões filosóficas, politicas e pragmáticas. Conceitos de objetividade, racionalidade e arte produtiva regiam-se por premissas corno "Não há uma sensibilidade artística. Artística é só a obra. (...). A arte se diferencia do pensamento puro porque é material, e das coisas originárias porque é pensamento" (Waldemar Cordeiro, 1958). Continua Cordeiro: “Agora surge uma nova dimensão: o tempo. Tempo como movimento. A representação transcende o plano, mas não é perspectiva é movimento. O número cromático regula estruturalmente a cor, que haje pelo contraste das complementares. O interesse pela vibração reflete a aspiração ao movimento. A nossa arte é o barroco da bidimensionalidade'. Os procedimentos técnicos incluíam o recurso às tintas industriais, aplicadas de modo uniforme chapado, sem qualquer registro da pincelada.
A obra concretista de Geraldo de Barros será de pinturas de superfície plana, com a tinta aplicada de modo chapado, uniforme, "industrial". Uma extrema economia cromática levam ao preto e branco, eventualmente ao cinza, ou a convivência de áreas de branco e vermelho. Sempre oposições, nunca a presença de muitas "cores". No entanto esse rigor ascético, objetivo e racional, incorpora em dados momentos linhas incisas, entre dois planos. Essas incisões nos remetem, novamente, à fotografia de Geraldo de Barros, com seus cortes, recortes, encaixes e as linhas de junção para revelarem uma noção de corporeidade da obra bidimensional.
Essas incisões não se apresentam como intenções expressivas, mas como recurso construtivo.
Em meados dos anos 60 o esgotamento de determinadas questões e posturas concretistas, a esteira da explosão da arte Pop e da Nova Figuração e o agravamento da crise social e politica brasileira resulta em transformação radical no interesse de muitos artistas. O Neoconcretismo no Rio opera inicialmente um resgate da presença do sujeito (artista/público) na obra, como em Amílcar de Castro, Lygia Pape, Hercules Barsotti, Willys de Castro, Franz Weissmann, Hélio Oiticica e Lygia Clark. O teórico do neoconcretismo, Ferreira Gullar se engaja em centros de cultura popular. Clark se encaminha na direção do público na obra, desenvolvendo preocupações fenomenológicas e psicanalíticas. Oiticica abre-se para preocupações de caráter antropológicos, num sensualismo que o leva ao samba, à favela e ao mundo marginal do Rio.
Outros artistas geométricos e construtivos brasileiros abandonam o rigor dos anos 50. Milton Dacosta pinta suas Venus avolumadas e barrocas, Maria Leontina suas Bandeiras sem ângulos, Serpa abraça uma figuração de inspiração nó grupo COBRA, Volpi compõe sua sinfonia de cores com menor auxílio da régua. O fotógrafo José Oiticica Filho dedica-se a experiências com manchas, explorando, em alguns casos a multiplicidade dos pretos possíveis. Waldemar Cordeiro desenvolve o conceito de "popconcreto", reunindo concretismo e arte pop. Enquanto isso, surgia uma nova geração de artistas, feroz na sua manipulação da iconografia de massas.
Geraldo de Barrros, na década de 60, interessa-se pelas imagens dos meios de comunicação, dos aneímios, out-door e televisão, num trânsito entre questões da Pop e da Nova Figuração, através de colagens e imagens repintadas ou recortadas. Na colagem, nos relevos de papel colado, nas linhas de junção, a obra de Geraldo de Barros reencontra pontos de afinidade com suas Fotoformas e pintura neoconcreta. São reuniões de partes, áreas ou imagens, que mantém o registro dos procedimentos.
Se nos anos 50 a arte concreta podia ser relacionada com a utopia do desenvolvimento nacional, nos anos 60 a volta à figuração crítica, significará a necessidade ampla, no meio cultural brasileiro, de intervenção dialética sobre as condições concretas da sociedade, ideologia dominantes e situação autoritária de poder.
Esse mesmo aspecto, as linhas de junção se reencontram na atual "pintura" de Geraldo de Barros. São quadros em fórmica. Diferentes planos (= cor) são juntados no mesmo "puzzle". O momento atual de Geraldo de Barros tem a retomada de suas antigas preocupações concretistas o reacionamento coerente dos conceitos que lhe regeram historicamente (espaço, cor, procedimentos de produção, percepção pelo olhar, etc.), transformados e confrontados com novas realidades, para, ao final estabelecer uma nova poética. e um momento existencial que a experiência do artista transformou-se em sabedoria.