Adrianne Gallinari
Agnaldo Farias
O imenso desenho realizado por lápis variados sobre tecido que Adrianne Gallinari pendurou na parede maior da galeria Roberto Alban, praticamente ocupando-a por inteiro, revela seu desejo de marcar posição em sua primeira individual na casa: o desenho é o seu ponto de partida. Sempre. Mesmo estando circundado por pinturas dotadas de cores suaves e iluminadas, paisagens embaciadas por névoas, ou acesas, recém despertas pelo sol da manhã ou, ainda, resistindo à despedida da luz, quando da chegada da noite, mesmo assim, o desenho fala mais alto, até porque, nessas pinturas, ele também é protagonista.
Adrianne pertence a linhagem mais refinada da tradição gráfica brasileira, aquela que remonta à Alberto da Veiga Guignard, fundador da célebre escola de Belo Horizonte que leva seu nome, onde ela se formou no final dos anos 1980, cujo legado floresceu pela mão de Amilcar de Castro, seu professor, entre tantos outros mestres e colegas, ocupados em demonstrar o poder de um lápis de grafite duro -por exemplo, um 7H, o preferido de Guignard- na irrupção de mundos.
Vamos, leitor, passeie vagarosamente os olhos por esse desenho, pois seu tamanho exige que se caminhe ao longo dele, perceba o mosaico de malhas compondo uma possível paisagem, quem sabe um mapeamento das correntes de ar que habitam a atmosfera, embora insistamos em pensa-las invisíveis. Para Adrianne até "as palavras são desenhos", mais não fosse são sons produzidos pelas cordas vocais que se vão propagando em ondas, provocando entrechoques moleculares, imperceptíveis a olho nú para a maioria de nós, mas não para a artista. Para ela tudo o que existe cria um campo de energia, fricciona as coisas ao seu redor, o seu entorno, e é friccionado por ele. O tecido branco pendurado na parede é diáfano, uma vela que se enche de vento como os lençóis nos varais, um objeto de algum modo similar ao ar que nos rodeia.
Agora prossiga pelas pinturas, note a violência delicada dos caules finos das flores vencendo a gravidade, dos troncos irregulares das árvores encimadas por tufos de folhagens; atente às linhas calmas mas decididas que separam os dorsos das pedras, encostas e montanhas, do céu, do mar, do mundo que, como um dia cantou Caymmi, "que acaba onde a vista não pode alcançar". E vá tomando tento o modo como a artista obtém que o mundo, ou aquilo que chamamos de mundo, é um jogo jogado entre linhas e cores. Como tal abstrato. Abstrato? sei não. Diga aí se não dá vontade de morar dentro dessas paisagens?