De Onde Se Vê a Não Quero Nem Ver
Augusto de Campos
Filha de Geraldo de Barros, um dos pioneiros da arte concreta no Brasil, mas também o permanente experimentador de antes e depois do período ortodoxo do movimento, Lenora terá, por certo, herdado do artista-fotógrafo-pintor-designer o seu radicalismo, mas também a sua inquietação. Ainda criança, mostrava curiosidade em ouvir as conversas de Geraldo com os poetas concretos - estranhos conspiradores da arte em visita a seu pai. Assim, desde logo instigada pela poesia, mas também congenialmente artista, ela se situa no front ousado dos que chamo de artistas do "entre", os que não são facilmente classificáveis, que não se limitam a se expressar, mas querem também mudar, isto é, abrir novos caminhos à sensibilidade do leitor-espectador. Por isso mesmo, ultimamente mais frequente nas galerias de arte do que nos ambientes livrescos, já que os disciplinadores literários não se aperceberam ainda que o mundo mudou e nada mais pode encerrar-se em compartimentos estanques depois da revolução tecnológica e internética. Não foi à toa que, ao ser convidada para participar da 7ª Bienal do Mercosul, em 2009, Lenora escolheu como tema de seu projeto uma obra de John Cage, o profeta da arte interdisciplinar, cuja personalidade eu procurei sintetizar a partir do acaso do seu nome: CAGE CHANCE CHANGE. O trabalho de Lenora, que há muito se expandiu da poesia visual escrita - ONDE SE VÊ (1983) - para o universo aberto das videoformas, deve ser entendido sob esses parâmetros. Sua obra já é extensa e merece estudo aprofundado. Limito-me aqui, em voo-arco-livre, a sumarizar algumas características que a individualizam: a palavra visualmente intensificada, trazida à flor da pele, verbocorpoidentificada, plasmada em biometáforas sensoriais - rosto, gesto, voz. Desde as precoces aventuras de desconstrução dos anos 1980, da língua-letra à letra-língua, da máquina-táctilo-gráfica ou da espumadesfacial dos primeiros fotopoemas à busca permanente de sua identidade artística: PROCURO-ME (2003). Uma busca que vem encontrando a sua meta nas sucessivas intervenções multimidiáticas de obras recentes como NÃO QUERO NEM VER (2005) e LUGAR DE SEMPRE (2010). Assim, em suas próprias palavras, -
sua meta nas sucessivas intervenções multimidiáticas de obras recentes como NÃO QUERO NEM VER (2005) e LUGAR DE SEMPRE (2010). Assim, em suas próprias palavras, Lenora "encorpa" e "(des}encorpa" a sua viva poeticidade. Des-reconstrução do eu e do ser. Poeta, só me cabe saudar a coragem e a competência de Lenora, ao investir seu talento na artepoesia do "entre" - brava resposta ao desafio das novas tecnologias, num percurso que já apresenta muitos pontos luminosos e põe em xeque definições, categorias e limites.