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Thalita Hamaoui

Thalita Hamaoui

Thais Gouveia

Uma das muitas atribuições que se pode conferir ao trabalho de Thalita Hamaoui é que este carrega boa parte das qualidades que marcaram o Expressionismo Abstrato, movimento dos anos 1950. Dentre elas, a direção do olhar para o processo interior, a dimensão existencial, o fluxo. Também as cores densas e saturadas, cuja ênfase inevitavelmente provoca uma reação visceral. Há também uma aproximação com o sueco Andreas Eriksson (Björsäter, 1975) por meio de construções pictóricas que inicialmente parecem remeter à paisagens bucólicas mas em olhar atento nota-se que essas confluem para uma interioridade.

Outra aproximação evidente entre os dois pintores apresenta-se através de intrigantes e fluidas passagens entre o abstrato e figurativo, comprovando o intento de capturar menos os contornos dos fenômenos do que seus estados a partir da esfera da experiência sensorial direta. No caso do sueco, a fonte do gesto brota de uma visão afetuosa acerca dos pequenos fenômenos relacionados ao ciclos naturais do entorno de sua casa em Kinnerulle, no interior da Suécia onde ele vive há mais de quinze anos. Já Hamaoui concentra sua atenção na própria passagem do tempo e seus efeitos sobre os humores e os estados de espírito. Ambos pintam a partir de uma impregnação de seu próprio meio.

As dualidades — interno e externo, luminosidade e escuridão, realidade e ilusão — convivem ativamente no trabalho de Hamaoui, cujas transições ora aproximam-se da colagem, ora de um efeito aquarelado. Esse último talvez seja um remanescente dos oito anos em que a artista trabalhou como designer de superfície. Neste período seu interesse era dedicado aos processos de tingimento e aos desenhos geométricos com aplicações de aquarela vazando seus limites. Já em suas pinturas, esse vazamento é intenso e acontece sem demarcações prévias.

O processo da artista também ocorre em camadas de tempo e densidade. Ela pode levar até dez dias para atingir as passagens desejadas de cor, o que aponta para uma expressividade que não ganha a tela apenas com um impulso. Esse jorro gestual é administrado dentro de um processo lento e contemplativo a partir de uma relação íntima com a tela. Um olhar minucioso e ativo que aos poucos incorpora vibrações dentro do próprio ritmo cotidiano permeado pelas tarefas domésticas e familiares — seu ateliê fica dentro de seu apartamento — e que aos poucos vai se consolidando de forma ora visceral, ora plena

O aspecto chapado da pintura, que oscila entre nenhuma ou pouca distinção entre figura e fundo, poderia deixar o olhar escapar, mas em vez disso ele se coloca como uma realidade que convida a uma penetração estrutural, mesmo que sua simples tatilidade a impeça. Uma tatilidade testemunha de um constante devir, que oscila entre a criação e o desmantelamento numa mesma medida. Essa ação disruptiva tem origem em uma série de imagens de Chernobyl que a artista pesquisou por um tempo. Mas o que permaneceu dessas imagens no trabalho foi a ideia de um ciclo constante entre colapso e resiliência indissociável da história humana.

Entre o colapso e a resiliência, abre-se uma brecha sensual e voluptuosa, em especial nas pinturas mais abstratas e com uma paleta mais quente. Uma dança pictórica que parece   desafiar a própria existência: como dar forma ao caos? Como Friedrich Nietzsche bem colocou em Assim falou Zaratustra: "Amo aquele cuja alma transborda, a ponto de se esquecer de si mesmo e quanto esteja nele, porque assim todas as coisas se farão para sua ruína."

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