O artista como impostor
Felipe Scovino
Alvaro Seixas aborda francamente o problema: a maior parte de suas telas é indicativa de um lugar, de uma referência que transita entre o suprematismo, o expressionismo abstrato, o minimalismo e pós-minimalismo. E, porque são (a princípio) autorreferentes, essas telas colocam o espectador diante de uma significação. Ora, é impossível, diante de uma tela de Seixas não experimentar esse reflexo: procuramos a analogia, assim como a legenda de uma obra é incessantemente procurada pelos visitantes de um museu antes da contemplação da pintura. Portanto, procuramos e, evidentemente, encontramos “erros”, “desajustes” em relação ao original. Ou pelo menos – e aqui começa a produção de Seixas - o que encontramos – a tela e a revelação de um incessante enigma - é ambíguo: entre os falsos Malevitchs, Blinky Palermos que “nada” representam, permeando certa vagueza, somos deslocados para uma outra lógica: embora possa receber a qualidade de “impostora”, a tela tem um fim: o que nela se passa está em conformidade com uma certa finalidade. Sua obra não pode ser julgada em um primeiro olhar, pois não se trata de uma relação de imitação tampouco de inspiração.
Passando ao largo da instância entre ser original e cópia, a obra busca uma autonomia que acaba por recodificar o real, isto é, ao se colocar como uma falsa aparição e logo adiante superar essa ideia, percebemos o método investigativo, a preparação criteriosa da obra, suas camadas de óleo e velaturas elaboradas. Sua tela não trata de uma reprodução ou fazer crer ao espectador uma incrível (e falsa) ilusão de facilidade. Sua obra coincide plenamente com sua aparência, isto é, uma série de obras ou dispositivos imagéticos que são plenamente reconhecidos ou consagrados pela história da arte e, portanto, é necessário atrever-se a afirmar que é uma obra banal. Porém, por outro lado – e aqui está outra qualidade – esta aparência não coincide com uma linguagem que está deslocada de seu lugar, pois é gauche. É uma obra permeada de erros, imperfeições e falsidades que descobertas em um segundo momento de apreciação deslocam-na para um território de autonomia em relação à “matriz”. Passamos a analisar a sua obra como uma pintura qualquer – no melhor sentido que essa expressão possa vir a ter -, e nesse momento a relação de aproximação e diálogo com a história da pintura ganha novos contornos e trajetórias.
Essa sucessão de “erros” quando colocados lado a lado acabam por criar uma condição de abjetos a elas próprias – as obras – e ao território da galeria. As obras deixam de dialogar entre si – condição primaz de uma curadoria - ou então esse diálogo se dá pela forma de uma contaminação que é atravessada pelo ruído, por certa sujeira. Há uma atmosfera de desarmonia e paradoxos sendo apresentada: obras próximas ao chão, ou no encontro de arestas, obras menores sendo “engolidas” por maiores, discordâncias entre cores, formatos e escalas assim como o próprio título da exposição (Keep Dripping). Este é mais um momento da referida permanência que a sua obra possui e da sua desvinculação com a ideia frágil de ser nomeada como impostora. Ou melhor, esta condição lentamente se transforma em uma qualidade preenchida de cinismo e deboche corrosivos. Sua obra torna-se um agente infiltrador, cáustico, portador de questionamentos e elemento criador de seu próprio circuito.