Roberto Alban Galeria

Artistas Artista

Voltaire Fraga

Voltaire Fraga, hoje (entre o ontem e o amanhã)

Dilson Midlej

 Amou a vida, a família e viveu para fotografar. Nascido em Salvador, Voltaire Fraga (1912-2006) cedo descobriu a magia da fotografia e praticou-a profissionalmente. Ele conciliou a fotografia social e projetos pessoais nos quais evidenciou olhar arguto e sensibilidade aprimorada por meio de composições criativas e técnica apurada.

Esta oportuna mostra da Roberto Alban Galeria apresenta parte do acervo de fotografias realizadas entre 1930 e 1960, o qual, por sua vez, evidencia se tratar de um trabalho rico em temas evocativos de experiências e deslocamentos de tempos idos. Como é sabido, a experiência é sempre condicionada às dimensões de tempo e de lugar; no caso, o período temporal é o daquelas décadas em que Voltaire Fraga atuou, enquanto que o local é a Bahia de cenas urbanas cujas vidas retratadas são agora ausentes, imagens que denotam sentimentos nostálgicos de uma Salvador que se contrapõe aos dias de hoje e que conformarão os incertos dias do amanhã.

As narrativas visuais de Voltaire Fraga desafiam a crença verista da imagem fotográfica como mero registro da realidade e recurso técnico positivista exatamente pela afetuosidade com que “colhe” suas imagens e fazem-nas “brotar” impregnadas de pessoalidade e de poesia. São narrativas que têm como protagonistas transeuntes anônimos do fervilhante cotidiano citadino, vendedores ambulantes, feirantes, saveiristas, lavadeiras, todos retratados dignamente, em franco contraste com a pobreza e miséria social em que muitos deles vivem. Das imagens brotam preocupações de transmissão de valores humanistas dignificantes, impregnados nos papéis sociais dos sujeitos de suas fotografias. O olhar vernacular de Voltaire Fraga evidencia, ainda, o prazer nas atividades cotidianas que perpassa o brincar de crianças e as festividades populares. Salvador surge esplendorosa em trechos ou em vistas panorâmicas como uma cidade afetuosa e visivelmente reflete o grau de pertencimento do fotógrafo.

Ainda que se possa classificar a produção de Voltaire Fraga como pertencente ao gênero de história social da fotografia, ela parece brotar conciliada à atração e motivação pelas formas, luminosidade e texturas de superfícies nos lugares fotografados. Em termos históricos, ao afirmar-se como autor e ao explorar as características mencionadas, a produção de Voltaire Fraga situa-se no contexto modernista, o que quer dizer que o sentido do significado da imagem está na realização do intento de um autor, ou sob seu controle. Adicional a isso, confirmam sua classificação como modernista a valorização na representação de tipos sociais que somente passaram a merecer atenção em termos de temas retratados dignamente com o surgimento do Realismo, movimento artístico europeu de meados do século XIX, de expressiva influência no desenvolvimento da arte ocidental e na história social da fotografia. 

É por meio da constatação da atemporalidade dessas narrativas que hoje se estrutura essa exposição, constituída de enquadramentos do ontem, mas que apontam possibilidades de futuros desdobramentos da linguagem fotográfica por meio de outros possíveis “Voltaires Fragas” que possam, mediante a manipulação de signos de criticidade e liberdade, constituir os dias de amanhã.

Doutor em Artes Visuais e Professor de História da Arte da Escola de Belas Artes da UFBA, agosto 2019.

 

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