De volta a Gallinari
Rodrigo Moura
Pode-se evocar uma maior contenção ou um desejo de síntese para se falar dos últimos trabalhos de Adrianne Gallinari. Ao invés das paredes das salas de exposição, obras em formatos menores. No lugar da escrita compulsiva que criava espaços mentais conturbados, uma atitude mais contemplativa. Não é que seus trabalhos novos sejam estranhos à produção anterior. Mas eles estão mais conciliados, como se o amadurecimento da própria linguagem rendesse frutos mais calmos. Onde antes havia dispersão, há agora concentração.
Não é por acaso que se percebe uma persistência da paisagem como gênero de referência nessas novas obras, denotando uma relação de maior submissão do espaço ao gesto da artista. Não se trata, naturalmente, de uma forma convencional de paisagem. O desenvolvimento da linha em direção à constituição do espaço torna as formas mais coesas, e suas repetições acabam por deixar tudo mais reconhecível. Os padrões lineares cerrados são ainda mais tensos do que já eram no passado, e é isso o que permite criar obras em que elas ocupam áreas inteiras, servindo como a própria matéria de que o plano é feito.
Em algumas dessas obras, figuras se fundem à composição geral, deixando-se serem notadas apenas sutilmente. À medida que nos detemos, outros elementos ainda se destacam do fundo, sugerindo enigmáticas narrativas: um livro aberto do mesmo tamanho da figura, uma forma geométrica contraposta à montanha, que parece ser uma casa. O olho e o corpo vagam entre a figuração e a abstração, entre espaços representados e outros mais psicológicos. Gallinari se esmera em criar esse momentos de suspensão do sentido, desorientando nossa percepção com ações delicadas. A inquietude, qualidade de toda sua obra, está sempre presente, ainda que mais serena.
Outras obras ainda insistem na repetição de formas como estratégia para sugerir ritmos ou durações temporais no espaço. As formas orgânicas de árvores e vegetações ao longo de pseudo-perspectivas nos fazem pensar em longas caminhadas pela paisagem, exercícios de apreensão do entorno que servem como base para esta sua verve paisagística. Como resultado da imersão na volta ao ateliê, Gallinari explora de maneira analítica as possibilidades que o desenho e a pintura lhe oferecem, fundidos nessas composições sobre tecido. Motivos isolados de formas geométricas distorcidas nos permitem examinar seu traço pessoal contra fundos pintados. Outras assumem processos mais pictóricos, não só pelo uso mais franco da cor, mas também pelo emprego de áreas de velaturas sobre o grafite. Um grande tecido mantém acesa a dimensão épica de suas composições orgânico-abstratas, em que as tramas geométricas ganham escala ambiental.
Por muito tempo sem expor em Belo Horizonte, recolhida a seus ateliês de São Paulo e depois Salvador, ou dedicando-se a monumentais projetos de ilustração de livros, Adrianne Gallinari volta a mostrar na cidade um vigoroso conjunto de novas obras. É uma oportunidade imperdível para o público que já a conhece de longa data revê-la, bem como para aqueles que terão a chance de se aventurar na sua obra pela primeira vez.