Peles do cárcere
Francilins Castilho Leal
"O objetivo é engendrar um circuito energético, capaz de conectar às boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo, uma antena parabólica enfiada na lama" (Fred Zero Quatro)
"Oh! São Dimas, foste o bom Ladrão que, roubando o céu e conquistando o Coração agonizante e misericordioso de Jesus, vos tornaste o modelo da confiança, e dos pecadores e arrependidos. Pelas chagas de Jesus Crucificado - na vida e na morte, seja eu justificado!" (Trecho de oração à São Dimas)
Pichações, grafites, cartazes, incisões não autorizadas nos espaços públicos e privados. Dissolução destes pigmentos de paredes urbanas, retirando do corpo da cidade: transgressão ao quadrado.
Herdeiro e protagonista do movimento punk soteropolitano nas décadas de 1980 e 90, Willyams Martins desloca o foco dos holofotes do palco e mergulha nas artes visuais produzidas nas sombras das ruas. Neste submundurbano onde a disputa pelo poder é constante, "atropelar uma pichação" chega a ser caso de morte, Martins subverte e radicaliza o jogo. Extrai pinturas das ruas e as introduz no circuito da arte contemporânea, sob sua autoria. As peles são introjetadas no asséptico sistema artístico, contaminando a pureza da galeria.
A apropriação no contexto artístico foi amplamente utilizada nas colagens surrealistas, além de se tornarem ícones da Pop Art. Mimmo Rotella desacomodava cartazes traumatizados pelas ruas e, seguindo esta trilha, podemos chegar a Sherrie Levine, que em After Walker Evans, se apodera das fotografias do famoso estadunidense e as vende com sua assinatura. Em Peles Grafitadas, Willyams dá o nó na rede de autoria, quando expõe imagens que foram removidas de paredes públicas, acoplando novos conceitos e as reconfigurando no espaço expositivo, como um iminente bricoleur.
O cárcere agrupa seres transgressores, que estão reclusos porque infringiram o código penal e por pertencerem a um determinado grupo econômico-social. Ao adentrar neste universo e deslocá-lo para fora dos muros, Martins descortina todo um universo simbólico, trazendo à tona amores, crenças, desilusões, enfim, a humanidade das pessoas são obrigadas a matar o tempo neste panóptico perfeito. Revela-nos outro hemisfério artístico, além de propiciar uma leitura sociológica-antropológica desta tribo isolada.